Carnavalescos: Sidnei França e Márcio Gonçalves
No ano em que completaria 100 anos, Jorge Amado é tema de homenagens por várias partes do Brasil. No Rio de Janeiro, coube a Imperatriz Leopoldinense essa honraria. Em São Paulo é a campeoníssima Mocidade Alegre que irá tranformar a vida e a obra do célebre escritor baiano em alegorias e fantasias em um brilhante desfile. O que eu posso dizer quanto a isso??? Só uma coisa: Simplesmente sensacional!!! A linha de desenvolvimento do enredo da Morada não é aquel famoso lugar comum em que a maioria das homenagens acabam caindo, pelo contrário, dé margem a grande extrapolações por parte dos carnavalesco. Pouco antes do enredo ser anunciado, conversei com o Sidnei e ele me disse que seria o maior desafio de sua carreira, porém, ainda não sabia de que se tratava. Após o anuncio entendi o que ele queria dizer, afinal, para quem está acostumado com enredos lúdicos e abstratos, uma temática afro e ainda por cima com o peso da homenagem a Jorge Amado não é para qualquer um. Mas com o talento que esses dois possuem, sei que irão nos presentear com um grandioso Carnaval. A opção pela obra Tenda dos Milagres como o plano de fundo para este desfile é talvés o grande diferencial à favor da Mocidade, pois foge da abordagem que o Max Lopes dará ao mesmo tema no Rio de Janeiro, sem contar que vai enfocar a tradição dos Ojuobás (os Olhos de Xangô, escolhidos pelo deus da justiça como seus representantes na Terra), o que da margem a uma plástica excepcional. As manifestações culturais da Bahia e os personagens libertários de Amado também não vão faltar nessa grande e merecida homenagem. É um desfile que eu aguardo com grande expectativa.
Como reza a escrita: enredo afro sempre rende bons sambas. E seguindo essa máxima, com a Mocidade Alegre não foi diferente. A obra é seguramente uma das mais bonitas do ano, com uma melodia valente e uma letra poderosa. A faixa que se inicia com uma emocionante locução da presidente Solange Bichara, logo de cara já mostra a sua força em uma exaltação ao pavilhão da Escola e a apresentação do tema na figura dos Ojuobás é apresentada com muita competência no refrão de cabeça. A primeira parte do samba é aberta com a reverência a Xangô (Kaô Kabecile) e segue abordando a vinda dos negros ao Brasil e a abolição da escravatura. À partir daí, a obra Tenda dos Milagres passa a ganhar os versos da obra de Leandro Poeta e cia. Na sequência, o segundo refrão exalta a Bahia com uma melodia fantástica que dá todo o lirismo que a temática exige. É ao meu ver o ponto alto do samba da Mocidade. A miscigenação e as raizes da religião africana em solo brasileiro são a tônica da segunda parte, onde as notas menores prevalecem até o momento de explosão que leva de volta a cabeça do samba. Enfim, não há muito o que ser dito quanto a este samba. A sua qualidade é tão grande que dispensa qualquer comentário. Só não o julgo do mesmo nível do samba do Pérola Negra, pelo fato de que ele não me passa a mesma emoção que o da Escola da Vila Madalena. Grande parte disso se deve a interpretação de Clóvis Pê, que em momento algum pode (ou deve) ser discutida e colocada em xeque, inclusive gosto muito dele, porém, o cantor não consegue me emocionar. Isso tira um pouco do brilho dessa obra que repito: é belíssima!!!
Letra do Samba
Autores: Fernando, Leandro Poeta, Renato Guerra, Rodrigo Minuetto, Thiago e Vitor Gabriel
Intérprete: Clóvis Pê
O rufar do tambor vai ecoar
Tenho sangue guerreiro, sou Mocidade
A luz de Ifá vai me guiar
Ojuobá espalha axé, felicidade
kaô Kabecile
Kaô, meu Pai Xangô!
Ouça o clamor de Ojuobá
É fogo! É trovão! É justiça!
E assim, cruxando o mar de Yemanjá
Aponta o seu oxé a nos guiar
Raiou o sol da liberdade a quebrar correntes
E nessa terra o negro vence
Com a proteção do deus de Oyó
Contra o preconceito ao seu povo
Conduz a mão que escreve um mundo novo
No Pelô... Salve a Bahia de São Salvador
Eu vou à capoeira, meu amor
Morada dos milagres, devoção e fé
Um grito de igualdade... Axé!
É mágia...
Na mistura de raças surgiu
A pele morena, linda é a cor do Brasil
Na crença, um traço cultural
E pelas ruas o povo a cantar
É arte popular que faz emocionar, o Afoxé a embalar
No Ylê a sua luz brilhou
A mão de Mãe Senhora o consagrou
Eternizado, é coroado Obá de Xangô
Jorge... Orgulho da nação
Amado... Em cada coração
Feliz, o povo canta em oração!
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