Esta semana ao ser procurado por um grande amigo compositor de Bragança Paulista para formarmos uma parceria para a disputa que vai escolher o samba de enredo da Unidos do Lavapés para o Carnaval de 2013, me coloquei a pensar neste quesito tão importante e que ao longo dos anos vem sofrendo com crueis e irreversíveis mudanças.
Lembrei dos tempos em que "O Samba Era Samba". Quando tinhamos obras de qualidade inquestionável e que realmente contagiava o sambista que aprendia com gosto e entusiasmo o hino de sua agremiação. Diferente de hoje em dia que com muito esforço, o desfilante apenas "decora" a letra.
Voltando um pouco no tempo, lembro-me de sambas de enredo memoráveis que marcaram história no Carnaval bragantino. E olha que a maioria desses compositores ainda estão na ativa.
Em 1980, a Unidos do Lavapés desfilou "Sonhos e Glórias de um Folião", com um samba do meu parceiro Jorginho Verde e Rosa. O diferencial na obra estava em seu refrão principal, repetido duas vezes ao longo da letra e que sintetizava maravilhosamente bem o tema central do enredo: "Oh jardineira/Chiquita Bacana foi sua ilusão/O teu cabelo não nega/São sonhos e glórias de um folião...". Ou seja, o intuito do enredo que eram as marchinhas de caranaval estava explicito em quatro versos.
Quatro anos mais tarde na mesma Unidos do Lavapés, Jorginho emplacou "Lendas e Folclóre do Brasil", samba este que mais tarde ficaria marcado como o maior da história da agremiação. De letra curta (20 versos), a obra descrevia preciosamente a sinopse, dando ênfase as principais manifestações folclóricas do Brasil.
Um samba de enredo tão marcante como este merece destaque especial:
Enfeitando a avenida
Verde e Rosa vem apresentar
Do Oiapóque ao Chuí
Lendas e Folclóre do Brasil
A benção, Padim Cícero,
Malême Pai Xangô
Festa do Congo e Reizado
Mistérios e belezas Nagô
Bahia dos prazeres,
Sonhos e poesia
E no Recife dos Cordéis
Bumba-meu-boi se intrometia
O Boitatá de cara feia
Pela mata à dentro se escondia
Enquanto Iara via a lua
Vitória Régia ainda dormia
Banda de Oxum
De Iemanjá
Olorum veio dançando
Junto com Obatalá
Nos anos seguintes, o samba de enredo passou a ganhar ainda mais importância dentro do Carnaval bragantino, trazendo inclusive alguns compositores consagrados nos carnavais do Rio de Janeiro e de São Paulo para competirem nas mais diversas agremiações.
Ainda falando na Unidos do Lavapés, temos a composição de Álvaro de Paula, da ala de compositores do Império Serrano, abrilhantando o enredo "O Cometa Halley", de 1986. A obra é celebrada pelos bambas como um dos mais belos sambas da história do Carnaval bragantino, entretanto, alguns (como este que vos fala) torcem o nariz para a composição devido a sua estrutura melódica. Há inclusive um boato (nunca comprovado) de que a letra fora adaptada em cima de um outro samba composto pelo mesmo Álvaro para a Escola da Serrinha para o Carnaval de 1985.
Seja como for, não da pra negar que uma das maiores revoluções do nosso Carnaval teve início aí.
Em 1988, o mesmo Álvaro de Paula em parceria com o saudoso Léo da Vila e Val do Cavaco, nos presenteou com aquele que considero o maior samba de enredo da história do Carnaval de Bragança Paulista. Naquele ano, a Acadêmicos da Vila comemorou o centenário da abolição da escravatura com "Eu, o Negro" e teve na força do seu hino o fator decisivo na conquista do campeonato.
Um fato que me faz gostar ainda mais de "Eu, o Negro", é que meu pai, Sérjão, foi o responsável pela condução dessa obra-prima na avenida.
Ainda em 1988, Álvaro venceu outra disputa em Bragança, dessa vez na Unidos do Lavapés e em parceria com Jorginho Verde e Rosa. A composição "Se a Sorte me Ajudar" ficou marcada pelo refrão "Lavapés, lava as mãos/E entrega este samba/De presente pro povão...". Estava inaugurado em nosso Carnaval o estilo "oba-oba" de se fazer samba.
No início dos anos 90, outros sambas chamaram a atenção do público e do sambista em geral. Obras do porte de "Como Surgiram os Diamantes" (Dragão Imperial 1991 - Léo da Vila), "O Guaraní" (Unidos do Lavapés 1993 - José Rabello), "Tem Malandro no Samba" (Acadêmicos da Vila 1994 - João Magrini, Néinha e Pudim), "Entre Todas as Marias" (Dragão Imperial 1994 - Luis Carlos Genardão, Paulo Zulu e Edson Souza), "Sem Você Não Vivo" (Nove de Julho 1995 - Alemão do Cavaco), "Da Origem ao Apogeu" (Pé de Cana 1995 - Paulinho, Dudu e Alemão), "Circo, o Maior Espetáculo da Terra" (Unidos do Lavapés 1995 - Luiz Carlos e Alessandra), "Unidos do Pau Brasil" (Acadêmicos da Vila 1995 - Foguinho e Zuza) e "Dança Brasil" (Júlio Carioca e Dizinho) são motivo de orgulho para o nosso Carnaval.
À partir de 1999, outra linha de sambas de enredo passou a ser adotada pelos compositores que apostaram cada vez mais em refrões de efeito e que realmente "grudassem" na cabeça do sambista. Curiosamente, foi aí que o nível das obras começou a decair.
Foi então que o compositor Gera da Cuíca difundiu de uma vez por todas o estilo ao compor para a Mocidade Independente Júlio Mesquita "Disque 0900", em alusão aos serviços telefônicos prestados na época pelas operadoras de 0900. O samba em sí é muito bom. Tem letra inteligente e melodia valente, porém, o que marcou pra sempre foi seu refrão inspirado no bordão do astrólogo Walter Mercado, o "ligue dja". De maneira muito astuta, Gera se valeu dessa peculiaridade e escreveu o refrão "Ligue djá, ligue djá/O samba não pode parar/Ligue djá, ligue djá/A Mocidade vai passar".
O engraçado de se registrar é que o próprio Gera da Cuíca afirma que não é o seu estilo e que optou por essa linha devido ao conteúdo satírico do enredo. Uma opção mais do que acertada, diga-se de passagem.
Nessa mesma época presenciamos o surgimento de novos compositores que implantaram o seu estílo ao samba bragantino. Hoje, inflizmente não há uma marca da qual possamos nos orgulhar na hora de ouvirmos uma composição. Não da mais pra dizer - há... esse samba é de Bragança Paulista.
E o mais engraçado nisso tudo é que uma parceria aqui da cidade que disputou os cortes de samba na Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, parece ter ressussitado a essência do samba bragantino. A mesma parceria vinha compondo para as agremiações locais sambas de um gosto um tanto quanto duvidoso, porém, ao ouvir o samba composto para a Escola do Morro de São Carlos, fui surpreendido com uma viagem ao passado. Podem alegar que o samba não é bom, que a melodia é fraca e tudo mais. Só que pode ser o início do resgate de uma tradição que não poderia se perder. Parabéns ao Edson Português e seus parceiros pela ousadia!
Não vou dizer que os sambas atuais sejam ruins, pois estaria sendo injusto com alguns compositores que ainda buscam soluções diferenciadas para o problema que se tornou compor samba de enredo, pois tudo o que possamos imaginar em algum momento já foi feito e aí realmente fica difícil.
De 2000 pra cá, poucas obras merecem um destaque mais acentuado, porém, atrevo-me a dizer que "Irmão Sol, Irmã Lua na Terra de Bragança" (Unidos do Lavapés 2003 - Jean Tim Maia e Juninho Sucesso), "Chocolate - Presente dos Deuses Para os Homens" (Nove de Julho 2004 - Panda, Edmison Silva e Rick Ramos), "A Sagração das Deusas do Infinito e a Ira do Senhor dos Sete Mares - Uma Odisséia Africana" (Acadêmicos da Vila 2007 - João Magrini, Dú Melancia, Val do Cavaco e Rafael Schimidt) e "A Lua Que Brilha é Meu Norte, Sou Guerreiro e Meu Padroeiro é São Jorge" (Dragão Imperial 2011 - Pedrão PC, Juninho Sucesso, Cris Malandragem, Lucio Medeiros, Janjão e Família Pires), poderiam ser incluidos entre os mais belos sambas de enredo da história do Carnaval bragantino.
Não sei se haverá nos próximos anos outra revolução tão significativa como as promovidas por Jorginho Verde e Rosa, Álvaro de Paula e Gera da Cuíca. Mas fato é que enquanto houver samba, há a esperança de que em breve tenhamos de volta o prazer que um dia sentimos ao sentarmos para ouvir um "disco" de sambas de enredo.
A esperança é a última que morre!!!
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